
Há uma piada clássica entre economistas que diz que, se você colocar dez deles numa sala, ouvirá onze opiniões diferentes — e nenhuma virá acompanhada de uma aposta. Outra, mais mordaz, afirma que “os economistas veem algo funcionando na prática e se perguntam se pode funcionar na teoria”.
Outubro foi um mês que caberia nestes dois contextos. Os modelos seguem projetando uma economia travada e juros altos por mais tempo, mesmo com a inflação melhorando consideravelmente e a atividade dando sinais claros de desaceleração. Típico caso de ver funcionar na prática, mas ainda se perguntar se caberia na teoria.
A melhora não está nos indicadores de atividade, que continuam mostrando desaceleração. O que mudou foi a percepção de risco.
A inflação perdeu força de forma consistente, o câmbio se manteve estável e o cenário fiscal, embora desafiador, deixou de ser visto como uma ameaça imediata. Aos poucos, o mercado passou a admitir que talvez o juro real já esteja alto demais e que o Banco Central possa iniciar um ciclo de cortes sem comprometer a credibilidade.
Por hora, é uma virada de humor mais do que de ciclo. A economia segue perdendo tração, mas de maneira controlada — e isso, paradoxalmente, gera confiança. Depois de anos de choques e sobressaltos, a previsibilidade volta a ser um ativo.
Outubro parece ter sido o mês da recomposição da confiança. E, no mercado, isso já basta para que o otimismo — ainda tímido — comece a aparecer, mesmo que os modelos ainda não saibam explicá-lo.
Cenário Internacional: o Fed corta, mas eleva o tom
No Exterior, o mês foi dominado pelas decisões de política monetária e por um cenário inusitado nos Estados Unidos: o shutdown do governo federal suspendeu por semanas a divulgação de indicadores cruciais, como o relatório de emprego e o índice de preços ao consumidor, deixando o Federal Reserve literalmente “às cegas”.
Mesmo sem a bússola dos dados, o Fed decidiu seguir adiante e reduziu a taxa dos Fed Funds em 0,25 ponto percentual, levando o intervalo para 3,75%–4,00% ao ano. Jerome Powell reconheceu que a economia americana segue em expansão moderada, com o desemprego ligeiramente mais alto, mas ainda em níveis historicamente baixos.
Ainda assim, o tom do comunicado mostrou que a instituição não quer alimentar expectativas excessivamente otimistas. O FOMC adotou uma postura mais dura do que o mercado esperava. Powell fez questão de enfatizar que o corte adicional de 0,25 ponto previsto para dezembro não está garantido, deixando claro que as próximas decisões dependerão da trajetória da inflação e do mercado de trabalho. O objetivo foi conter o entusiasmo dos investidores e reafirmar que o processo de afrouxamento monetário será gradual e condicionado aos dados.
Os números, até aqui, justificam a cautela. O CPI de setembro subiu 0,3% no mês e acumulou alta de 3% em 12 meses, resultado mais brando que o projetado, enquanto o núcleo do índice, que exclui alimentos e energia, avançou 0,2% no mesmo período. A inflação americana segue perdendo fôlego, mas o Fed não quer ser visto como complacente.
Na Europa, o Banco Central Europeu manteve a taxa básica em 2,00%, adotando uma postura prudente diante da recuperação desigual entre os países do bloco. Já na China, o PIB do terceiro trimestre cresceu 1,1% em relação ao trimestre anterior e 4,8% na comparação anual, superando as expectativas. A produção industrial avançou 6,5% em setembro, impulsionada por exportações e tecnologia, enquanto o consumo doméstico se manteve mais contido. Com o pacote fiscal de 1 trilhão de yuans — equivalente a cerca de 0,7% do PIB —, o governo chinês reforçou o compromisso com a meta de crescimento de 5%.
O balanço global de outubro foi o de um mundo em desaceleração controlada: inflação sob controle, bancos centrais reposicionando suas bússolas e mercados retomando a previsibilidade — ainda sem euforia, mas com menos medo.
Economia Brasileira
No Brasil, os sinais de moderação ficaram mais claros. A inflação medida pelo IPCA subiu 0,48% em setembro, ligeiramente abaixo das projeções, acumulando alta de 5,17% em 12 meses.
Os núcleos avançaram 0,18%, e a difusão caiu para 52,5%, enquanto o grupo de serviços desacelerou de 0,50% para 0,35%, sinalizando uma descompressão mais ampla dos preços.
O IPCA-15 de outubro reforçou a tendência, com alta de apenas 0,18% no mês — abaixo da expectativa de 0,25%. No acumulado em 12 meses, o índice desacelerou para 4,94%, influenciado principalmente pelo recuo dos preços de alimentos e bebidas, que caíram pelo quinto mês consecutivo.
O resultado confirmou que o processo de desinflação é disseminado e consistente, o que ajuda a ancorar as expectativas para a meta de 2025.
Por outro lado, a atividade mostra fôlego menor. O IBC-Br de agosto cresceu 0,4% frente a julho, abaixo das estimativas, enquanto as vendas do varejo avançaram 0,2% no mesmo período, encerrando quatro meses de queda. O setor de serviços subiu 0,1% no mês e 2,5% na comparação anual, sustentando o desempenho geral da economia.
O mercado de trabalho continua resiliente. A taxa de desemprego ficou em 5,6% no trimestre encerrado em setembro, praticamente estável, e o CAGED apontou a criação líquida de 213 mil vagas formais no mês. Ainda que em ritmo mais moderado, a geração de empregos segue garantindo renda e sustentando o consumo.
O quadro geral é o de uma desaceleração ordenada, sem sinais de ruptura. A economia perde tração, mas com estabilidade. Essa combinação — inflação em queda e atividade sob controle — cria espaço para o Banco Central começar a discutir, de forma mais concreta, o início do ciclo de cortes da Selic. Se a tendência se confirmar, o primeiro movimento tem probabilidade maior de acontecer em janeiro.
Mercados: o rali discreto da confiança
Nos mercados, outubro foi um mês de recuperação silenciosa. O Ibovespa encerrou em alta de 2,26%, aos 149.540 pontos, atingindo novo recorde e impulsionado pelo alívio externo e pela melhora na percepção de risco doméstico.
O dólar comercial terminou o mês cotado a R$ 5,38, com leve valorização de 1,07% frente ao real, enquanto a curva de juros futuros inclinou-se para baixo, refletindo a reprecificação das apostas sobre política monetária.
Perspectivas: quando o sentimento vem antes da estatística
Outubro terminou com a sensação de que o humor virou antes das projeções. A inflação desacelera, o emprego resiste e a atividade se ajusta naquilo que parece ser um pouso suave. O cenário internacional parece mais previsível, e o doméstico, mais equilibrado.
O Banco Central deve manter a cautela na reunião de novembro, mas a leitura dos dados indica que o início do ciclo de cortes da Selic é apenas questão de tempo.
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